Santo Ignácio de Loyola
(Fidalgo espanhol)
É sempre muito gratificante observar como a providência divina suscita o remédio oportuno para cada situação que sofre o corpo do Senhor que é a Igreja. O veículo e instrumento de ação terapêutica preferido por nosso Deus é o próprio homem. É admirável o que Deus faz através de nós. No século XVI a Igreja enfrentou, como sempre o faz, tremendos desafios. Teve que se adequar à perda do poder temporal na nova ordem política que vai se estabelecendo na Europa, combater as heresias que arrastavam boa parte do rebanho desatento e, sobretudo, ocupar os novos espaços abertos pelos descobrimentos, obedecendo ao comando divino de proclamar o Evangelho a toda criatura. A Sabedoria escolheu o coração de um jovem soldado, que ferido em batalha, padecia longo e doloroso tratamento para recuperar sua perna, para, a partir de lá, promover uma maravilhosa reação salutífera para toda a Igreja. Este soldado foi Iñigo Lopez de Loyola que tinha trinta anos quando foi ferido ao participar na defesa do castelo de Pamplona, sitiado por Francisco I da França. Caçula de doze irmãos, o jovem fidalgo espanhol, havia sido pajem do nobre cavaleiro João Velasques de Cuellar antes de tornar-se oficial do Duque de Nájera, vice-rei de Navarra. Iñigo que depois tomará o nome de Ignácio, era um jovem muito brioso, valentão, com a cabeça cheia dos ideais de honras, glória e conquista que alimentava lendo os romances de cavalaria tão difundidos no seu meio. É impressionante como esta literatura "fazia a cabeça" da juventude da corte espanhola, Santa Teresa dirá o quanto estas leituras obscureceram na sua juventude a religiosidade que tivera na infância. O mundo tem hoje meios mais poderosos de persuasão para semear seus enganos. O pai da mentira se torna mais ativo na medida em que se lhe esgota o tempo, mas onde abundou o mal superabundou a graça, glória a nosso Deus invencível nas batalhas. Era ano de 1521, o jovem capitão sempre tão ativo tem que passar longos dias e noites quase imóvel, para ajudar a passar as horas ele pede que lhe tragam alguma leitura. Sua cunhada traz os únicos livros que a providência dispôs que ali houvessem: A vida de Jesus e Florilégio dos Santos. Não havendo outros livros é com estes que Ignácio passa o tempo sem suspeitar que lhe era chegada a misteriosa hora da graça. Lendo e relendo aquelas páginas, dia após dia, Ignácio vai se enamorando, seu coração sucumbe lentamente fascinado e atraído por aquela estranha vida amorosamente descrita naqueles livros. O seu amigo Luís Gonçalves que recolheu as confidências destes primeiros encontros assim testemunha: "... ao ler a vida de Cristo, nosso Senhor, e dos santos, punha-se a pensar e consigo mesmo dizia: 'E se eu fizesse mesmo que fez são Francisco? E o que fez São Domingos? Assim refletia muito. Permanecia muito nestes pensamentos. Em seguida, sobrevinham outras cogitações vazias e mudanças que se prolongavam por várias horas...". Mas Ignácio era apaixonado pelas façanhas e honrarias do mundo e havia empenhado o tempo de sua juventude se adestrando com sucesso nas artes que permitissem realizar com brilho os ideais da cavalaria. Que aspiração é esta que se oculta no coração do homem capaz de fazê-lo renunciar a tudo que possui e que sonhou quando vislumbra uma mínima chance de realizá-la? Se ele tivesse optado desde cedo pela carreira religiosa seria mais fácil, mas ele tinha escolhido a carreira militar onde progredira bem e tinha um futuro promissor. Não bastavam aqueles relatos cativantes, era necessário uma percepção nova do mistério da própria vida que só o Espírito Santo nos dá. Era preciso que Ignácio soubesse que aquela grandeza divina, a vida em Deus era também destinada para ele. Esta visão nova, esta iluminação sobrenatural, veio para ele na forma da experiência da alegria, esse fruto tão saboroso do Espírito. Como ouvimos do testemunho do seu amigo, Ignácio passava os dias alternando seu olhar; hora para a face do mundo, hora para a face de Deus, e, conforme narra o mesmo amigo Luís Gonçalves: "...Nestas considerações acontecia, porém, uma diferença: quando se voltava para as coisas mundanas, sentia grandíssimo prazer; mas, ao deixá-las por cansaço, via-se descontente e árido. Ao contrário, quando pensava na vida rigorosa que notava nos santos, não só no momento em que as resolvia no pensamento, se enchia de gozo, mas quando o abandonava, encontrava-se alegre. Mas não percebia nem avaliava esta diferença até que, aberto um dia os olhos da mente, começou a admirar-se dela; por experiência entendeu que de um gênero de pensamentos lhe vinha descontentamento; o outro lhe deixava alegria...". Parece ser sempre assim, não bastam palavras converter as pessoas, elas precisam ter uma experiência pessoal e direta, onde, como que vem e apalpam o Verbo da vida. Tendo nosso Senhor Jesus galgado as alturas celestes, de junto do Pai nos enviou o Espírito Paráclito. Sendo sutil como a brisa leve, o Espírito facilmente passa desapercebido, embora cubra a terra assim como as águas cobrem o fundo do mar. Às vezes só quando saboreamos um de seus frutos, podemos apreender esta doce presença de nosso Deus e, mesmo isto, ainda só por graça do Amor. Depois, é preciso nos desvencilharmos dos laços que herdamos e f azemos com o mundo para sermos como o vento que sopra e não se sabe de onde vem nem para onde vai. Assim, nascidos do Espírito, espalhamos o agradável odor de Cristo sem resistir ao seu jugo tão suave. Esta ruptura com o mundo é uma páscoa, um processo de morte e ressurreição que parece durar toda a vida. Ignácio embarca nesta travessia de luzes e sombras que simultaneamente vai-se sufocando os vícios e cultivando as virtudes com a resolução necessária de ir todo e ir com tudo em busca do Deus que se deixa encontrar. Ele abraça uma rigorosa vida penitente, deixa casa e roupas finas, dorme nos albergues, veste um saco de penitência; faz sete horas de oração por dia, fica sete dias em completo jejum, faz um vigília, passando toda a noite de pé sob uma imagem de Nossa Senhora de Monserrate. No último período deste tempo intenso de reforma, Ignácio passa por um ano retirado em Manresa onde a graça de Deus o leva a um grande aprofundamento da vida no espírito. As anotações que Ignácio faz destas suas experiências irem compor Os Exercícios Espirituais, livro que condensa a sua espiritualidade. "Pedi ao Pai que me desse um conhecimento íntimo das muitas dádivas que recebi para que cheio de gratidão por tudo, eu possa amar e servir a Divina Majestade em todas as coisas". Após este retiro ele realiza uma peregrinação à Terra Santa descalço. Retornando da Palestina, é em Barcelona que Ignácio compreende que devia estudar por causa do apostolado e assim, abraça, em 1524, a vida de estudante: começou estudando gramática latina juntamente com alunos de 11 anos, foi para Alcalá, depois Salamanca e, finalmente, para Paris onde conseguiu o título de Professor de Filosofia. É em Paris que as moções do Espírito que constróem em Ignácio o ideal de lutar para maior glória de Deus começam a tomar forma quando ele encontra com outros estudantes que são atraídos pelo mesmo chamado. Ignácio, Pedro Favro, Francisco Xavier, Laínez, Salmerón, Simão Rodrigues e Bobadilha, a 15 de agosto de 1534, fazem o primeiro juramento de compromisso, inaugurando a "Companhia de Jesus". Eles queriam dedicar-se às missões entre os muçulmanos entre os muçulmanos da Palestina. Três anos mais tarde, o grupo, aumentado para dez pessoas, percebendo a impossibilidade da viagem à Palestina por causa da guerra, reunido em Veneza, decide oferecer seus serviços ao papa. Ignácio, Favro e Laínez foram ao papa Paulo III, fizeram voto de pobreza, castidade e obediência absoluta, e declararam-se prontos para ir para toda parte onde o Pai da cristandade quisesse enviá-los. O Santo Padre não pôde resistir a votos tão firmes e tão sinceros, e aprovou a "Companhia de Jesus" que oficialmente estabelecida em 1540, com um limite inicial de no máximo sessenta pessoas. Todavia, os primeiros resultados dos seus trabalhos fizeram logo com que o papa levantasse esta restrição. E os seus sucessores concederam-lhe grandes privilégios. Santo Ignácio irá governar estes "Soldados de Cristo" sempre dispostos a ir onde Deus os chamar, os jesuítas, até sua morte em Roma, em 1556. Consagrados "Para a Maior Glória de Deus", trabalham: para salvação do próximo pela pregação, pelas missões, pelos catecismos, pela controvérsia contra os hereges, pela confissão e, sobretudo, pela instrução da mocidade; para sua própria salvação, pela oração interior, o exame de consciência, a leitura de livros ascéticos, especialmente os "Exercícios Espirituais", e a comunhão freqüente. Neste período eles chegam a mais de mil membros espalhados por toda a Europa e além-mar, organizados em 13 províncias e dirigindo 100 colégios. Santo Ignácio pode falar como São Paulo que combateu o bom combate e guardou a fé, não somente para si, mas para muitos.
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